"Há 59 anos, o que mais me intriga neste quadro (aliás, um dos raros auto-retratos de Rubens e o único em que o pintor, aos 32 anos, recém-casado, se representou no máximo fulgor) é o corpete de Isabella Brant. O que dele se vê, tão longilíneo, tão desaguante e tão oculto pelo casaco de seda escura e pela gola de rendas, parece, visto de longe e de repente, um interminável pescoço, unindo o queixo ao baixo-ventre. Isabella Brant está sentada, de tudo a evidência. Mas sentada onde? Evidência nenhuma. Como se a ausência de lugar e o brilho do cetim luminoso a puxassem para cima e não para baixo, como se levantasse voo, com aquela imponderabilidade dos corpos de Rubens que há vinte anos me ensinaram a ver.
O quadro data de 1609, o ano das bodas. Rubens, como disse, tinha 32 anos. Isabella Brant, 17. Nem ele, nem ela o parecem? É bem verdade. Mas quem achar enorme a diferença de idades lembre-se ou aprenda que a segunda mulher do pintor, essa Helène Fourment que Calouste Gulbenkian mandou vir da Rússia e hoje resplandece em Lisboa, tinha 16 quando casou com Rubens em 1630, contava este 53. E foi Helène Fourment a que foi pintada nua, no quadro de Viena, perdida Viena de perdida viagem.!"
JOÃO BÉNARD DA COSTA
2002, in Publico
Peter Paul Rubens , Pintor flamengo, Barroco.
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